Coluna | Expressão
Fabricio Serafim
34, é economista e ativista social em Varginha-MG, escreve às quintas-feiras neste espaço, no jornal Correio do Sul (Varginha) e no Jornal do Estado (Pouso Alegre).
Contos que me contraram
16/04/2008
Há algum tempo, resolvi enveredar por um delicioso caminho. O caminho das letras. Como digo em meu blog EXPRESSÃO, que não por acaso leva o mesmo nome da coluna, “escrever é uma arte, um vício”...

Ando um pouco ausente em meus artigos de opinião. O que não significa que deixei de pensar. Aliás, meu último artigo nesta linha, sob o título “Quem é o animal aqui?”, publicado no dia 21/02/2008, ainda gera fortes emoções, com acalorada discussão dos leitores.

Mas esta lenga lenga toda tem um motivo. Nos últimos meses, tenho me dedicado a um projeto antigo: Meu livro de contos. Há vários anos venho escrevendo histórias do cotidiano, causos que ouvi de amigos e que, resolvi, merecem ser divulgados, pela simplicidade dos fatos ou por fazerem parte da vida como ela é!

Depois de muito tempo tomando coragem, vou tornar público o primeiro conto que escrevi. Uma história acontecida com um grande amigo que, de uma forma muito divertida, me contou o “causo”...

Esta semana, gostaria de ouvir você, leitor da Coluna Expressão, que me acompanha neste caminho. Quero saber sua impressão sobre a qualidade do conto, sobre a maneira como escrevo e transmito os acontecimentos. O que está em julgamento, não é a história real – deixemos bem claro – , mas sim o meu futuro como escritor. Se você conseguir enxergar as cenas através dos meus olhos, me dou por contente!

Devo continuar? Com a palavra, o juiz: - Você!

Vida de artista

“Que sorte têm os atores! Cabe a eles escolher se querem participar de uma tragédia ou de uma comédia, se querem sofrer ou se regozijar, rir ou derramar lágrimas. Isto não acontece na vida real. Quase todos os homens e mulheres são forçados a desempenhar papéis para os quais não têm a menor propensão. O mundo é um palco, mas os papéis foram mal distribuídos.” - Oscar Wilde

De cidade em cidade, Marcelo percorria a região, levando na bagagem a cultura que aprendera com a vida. Depois de anos trabalhando como balconista, jardineiro e faxineiro, agora se tornara um artista; com diploma do cursinho de teatro, e tudo!

De ônibus, de carona, ou empoleirado em “caminhões leiteiros”, não havia distância ou falta de dinheiro que o impedisse de chegar ao seu destino.

Apresentando um monólogo, sobre uma famosa personagem da Inconfidência Mineira, o figurino cabia em uma mala: Peruca, maquiagem, uma blusa estampada, de babado, uma saia preta, comprida e um xale de lã. O cenário, precariamente montado em quadras esportivas, pátios de escolas ou salões paroquiais, contava sempre com a colaboração dos moradores da cidade onde estivesse. Algumas cadeiras, uma mesinha, um jogo de chá e um vestido. Pronto! Estava montado o espetáculo...

Contando sempre com os miúdos recursos das prefeituras de interior, cada viagem era sempre uma surpresa.

Em uma delas, levando a peça a uma cidadezinha próxima a Poços de Caldas, chega o momento tão esperado, divulgado há dias pelos auto-falantes da matriz, que em muitos lugarejos ainda têm a “função de rádio”, informando à população sobre batizados, casamentos, funerais e eventos importantes, como a apresentação teatral que aconteceria naquela noite, no pátio da escola estadual.

O povo estava agitado. Trajando roupa de ir à missa, aos poucos as pessoas iam lotando a escola. Enquanto isto, na sala dos professores, o artista se preparava para encarnar sua personagem, quando entra na sala o prefeito, ressabiado, vendo um homem vestido de mulher:

- Uai? Num é firme?

- Não, Sr. Prefeito, é teatro!

- E cadê os otro?

- É um monólogo, Sr. Prefeito!

O prefeito, com cara de quem não entendeu nada e querendo encerrar a conversa, decreta:

- Ah, bão! Então se ocê já tá pronto, eu vô avisá o povo que já vai começá!

No pátio da escola, a platéia já estava impaciente, quando o prefeito grita:

- Óia gente, eu trusse um teatro proceis. Se oceis gostá, nóis traiz otra veiz!

Começa a apresentação, assistida por crianças, lavradores e velhinhas, todos muito atentos, extasiados com a história da heroína louca, conversando com os inconfidentes e com o vestido jogado sobre uma cadeira, que ela acreditava ser sua filha morta... Entre uma cena e outra, Marcelo observa o prefeito se retirar... Acabou-se a concentração do artista, àquela altura preocupado com o cheque do pagamento.

Encerrada a apresentação, sucesso total, aplausos de pé, discurso da diretora da escola. Onde estaria o prefeito com o cheque?

- Ah! O Sr. Prefeito foi pra venda do Zé!

Levado pela Kombi da prefeitura, escalada para transportar nosso artista até a rodoviária de Poços, Marcelo encontra o prefeito em um botequim. Rua de terra, paredes encardidas, duas mesas com propaganda de cerveja, uma lâmpada amarelada, pendurada por um fio engordurado, no meio do bar. O prefeito, acompanhado por alguns correligionários, jogando palitinho, fumando um cigarrinho de palha, tomando uma cachacinha nativa e “tirando-o-gosto” com uma lingüicinha de pernil, observa desdenhoso o artista que chegava:

- E aí, Sr. Prefeito? Gostou do espetáculo?

- Uai! Parece que o povo gostô, né?

- E o cheque, Sr. Prefeito?

- Uai! Ninguém te pagô? Acho que o cheque ficô aqui comigo!

Do bolso da camisa, todo amarrotado, o prefeito saca um cheque da prefeitura, já preenchido por sua filha, tesoureira do município, e “desenha” seu próprio nome.

- Confere se tá certo, que eu tô sem meus óculos!

- Tudo certo, Sr. Prefeito! Obrigado, boa noite, e até a próxima!

- Até!

Suspirando, aliviado, Marcelo acaricia o cheque enquanto a Kombi segue pelas ruelas que o levariam à estrada para Poços, pensando com seus botões:

- Difícil, esta minha vida de artista...

Pelo menos a passagem e as refeições da semana estavam garantidas!

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