É muito claro o conceito que define a composição genética dos seres humanos. Um negro pode conter alta carga de genes europeus, bem como um branco pode ter grande presença de genes africanos e indígenas. Mas não é a composição genética o fator preponderante no direcionamento da metralhadora racista. O que motiva o preconceito, em geral, é a cor da pele. Negra!
Para citar exemplos de nosso dia a dia, basta olharmos ao redor. O leitor, que está agora em seu local de trabalho, seja ele em uma empresa privada ou em um órgão público, olhe à sua volta: Quantos negros ocupam cargos de maior expressão em seu ambiente profissional? Posso apostar que, fazendo a limpeza, o cafezinho, cuidando do jardim ou da portaria, eles são a maioria. Mas e nos postos de chefia? E em nossas salas de aula, nas escolas privadas e no ensino superior? Qual é a relação entre o número de negros e brancos? Entrem em uma agência bancária. Qualquer uma! Onde estão os negros? Geralmente, na fila do benefício social! Os estagiários, caixas, supervisores e gerentes, salvo raras exceções, têm a pele branca – ou quase.
No Brasil, o que prevalece é o preconceito velado. Dificilmente ouvimos alguém se referindo a uma pessoa como “negra”. Em uma ridícula forma de “piedade”, tentamos amenizar, dizendo: “-Aquele escurinho. Aquele moreninho”.
Temos que reconhecer que a convivência entre raças no Brasil é majoritariamente pacífica. Neste país não existe o apartheid oficial. Os pobres, sejam eles brancos, negros, vermelhos ou amarelos freqüentam o mesmo ônibus, a mesma fila do SUS, os mesmos botequins. Já nos restaurantes da moda, nas danceterias de classe média, nos shoppings e nas clínicas privadas, a realidade é outra.
A questão aqui, não é racial. É econômica! É uma questão de oportunidade histórica!
O que se pretende, com o sistema de cotas, é dar acesso imediato aos negros. Que tenhamos sua presença em ambientes acadêmicos refinados, até então exclusivos dos filhos dos brancos e dos endinheirados. E não venham me falar que o erro está na educação básica, porque isto estou – literalmente – careca de saber! É óbvio que para resolver o problema, no longo prazo, o caminho é uma revolução na qualidade do ensino, desde a infância. Mas, e para os milhões de negros excluídos, desde a abolição, desta oportunidade? O que diremos? Que o Brasil é o país do futuro? Que seus filhos e netos poderão viver uma realidade diversa da atual?
Dizer que o sistema de cotas privilegia um novo tipo de preconceito, amputando vagas por mérito acadêmico, é o mesmo que afirmar que um garoto de classe média, bem alimentado, agasalhado, estudando em uma escola renomada, está em igualdade de condições com o menino nascido no sertão do nordeste, de pés descalços, com a barriga cheia de vermes e que caminha quilômetros por dia a fim de receber aulas de uma professora semi-analfabeta.
Ora, se o sistema de cotas para negros, que não é uma medida definitiva, for considerado contrário à constituição, que prevê a igualdade entre todos, o que dizer do sistema de cotas para mulheres nas eleições proporcionais? O que dizer das cotas para deficientes no serviço público? O que pensar sobre a fila e os acentos preferenciais para gestantes e idosos? Estas e outras medidas separam, sim, as pessoas, buscando reparar distorções, tornando a sociedade mais diversa, mais igualitária, onde todos tenham oportunidades similares, respeitadas as diferenças físicas, nunca as raciais ou sociais.
Não sou contra qualquer destas ações afirmativas, que buscam, assim como o sistema de cotas para negros nas universidades, corrigir dicotomias.
É evidente que, em qualquer ação, pode haver enganos, como no caso da UNB. Mas o fato de pessoas sem caráter utilizarem idosos para “furar as filas” é motivo para extirpar o benefício que se presta a privilegiar milhões de outros idosos?
Na realidade em que vivemos, o sistema de cotas é fundamental para reparar um engano histórico, que classificava cidadãos pela cor de sua pele. Mas que ele não seja “temporário” como a CPMF. Ele deve existir por prazo determinado, aliado a políticas que remodelem o sistema de acesso, tornando-o similar para todos.
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