Era uma noite fresca no Cerrado do Brasil Central. Em uma esquina sem movimento; em um bar humilde e simples, que apresentava decoração inexistente, estavam espalhadas mesas e cadeiras de plástico amareladas sobre um piso de cerâmica marrom claro desbotado (talvez a única pincelada de estética naquele ambiente popular sul-mato-grossense).
Sobre uma das horrendas mesas expus o "Mar Morto" de Jorge Amado e "O Gaúcho" de José de Alencar.
Escrita, narração e descrições que me levaram a universos distintos do imenso Brasil: "Como são melancólicas e solenes, ao pino do sol, às vastas campinas que cingem as margens do Uruguai e seus afluentes". "A noite se antecipou. Os homens ainda não a esperavam quando ela desabou sobre a cidade em nuvens carregadas. Ainda não estavam acesas as luzes do cais, no Farol das Estrelas, não brilhavam ainda as lâmpadas pobres..."
Os imortais Jorge Amado e José de Alencar, ambos inexistentes no final do último mês de julho na capital Campo Grande, me transmitiram o seu legado através da leitura dos romances que me permitiram a felicidade de estar imerso no mundo da literatura quando a solidão se impunha insolente, "materializadora" da consciência do estar só.
Me veio à cabeça cenas, imagens, odores e sabores, pessoas, vultos, luzes, ruídos, movimentos, sensações, lembranças...
Ouvi, naquele momento, o badalar do sino do antigo relógio na tradicional casa da minha avó, na cidade paulista de Barretos e senti-me atordoado com o som da marcha dos cascos no trote dos cavalos de charretes de aluguel; na calorenta Araçatuba, município paulista no interior da ampla Unidade Federativa brasileira.
O canto do galo na madrugada, os pingos da chuva que adentravam a casa onde morávamos (através das frestas existentes no telhado), o burburinho do córrego ao deslizar a corrente de suas águas mansas rumo a pequenos bosques densos e impenetráveis, a gargalhada estridente de uma criança sonâmbula no seio da madrugada...
Senti-me nômade de corpo e de alma, nômade de espírito e de sensações e em êxtase ao acompanhar os sentimentos labirínticos dos amores e paixões que erraram por caminhos sem fim.
Amei a flor, a folha, o caule, o tronco, o olhar, o deslizar dos cabelos, o nariz, o pensamento, a fluidez do raciocínio da companheira solidão!
Eis que... de repente... pousa no pequeno muro ao lado do insosso bar um tucano com seus olhos arregalados e as suas cores vibrantes e bem brasileiras. O silêncio foi geral, pois todos os clientes do bar ficaram maravilhados com aquele fenômeno da natureza.
- Leia comigo:
- "De penas pretas e brancas, bico grande e colorido. Este é o tucano, ave da região do Pantanal, onde se encontra o maior número da espécie. Suas características são marcantes e inconfundíveis; seu corpo mede 56 cm, o bico 20 cm e pesa 540 grs".
- Uai! Eu sempre achei que tucano fosse nome de um partido político!
- Santa ignorância!!!
Esqueci as marcas de umidade na parede, o solo desgastado e desbotado, as mesas manchadas, e tive a nítida e certeira impressão de estar vivendo um momento privilegiado nas entranhas da Capital Sul-mato-grossense que acolheu-me, inúmeras vezes, no encanto do seu desencanto.
Seria essa mais uma das múltiplas facetas que nos fazem estar dependentes emocionalmente desta efêmera nação?