Coluna | Periscópio
Wender Reis
Pedagogo e Orientador Social, curioso observador de tudo que causa espanto no mundo.
Eu, os outros
31/01/2017
Acho que nasceu comigo certo fetiche por opções rejeitadas. Não escolheram? Eu escolho. Sobrou? Eu quero. Visto-me dos retalhos, me alimento das sobras. Minha vaidade é querer não ser vaidoso e, por isso mesmo, não conheço ninguém mais vaidoso do que eu. La pelos idos da quinta série do ensino fundamental, a escola estava efervescendo democracia. Período de eleições para a diretoria, eleições de líderes de turma, conselho e grêmio estudantil. Até onde me lembro, foi a primeira vez a perguntarem minha opinião demonstrando interesse pela resposta. 

Neste mesmo ambiente, era lançado o projeto Câmara Mirim, tentando estimular pequenos a pensarem politicamente. O grêmio e o conselho estudantil estavam inflacionados pelos alunos populares, me restou o câmara mirim, que ninguém dispensou maiores atenções. Vereador mirim eleito e empossado pelo desinteresse dos demais, estava pronto para propor novas regras para o jogo escolar. E foi marcante, pois na minha cabeça, e só na minha cabeça, haviam vários discursos a lá Winston Churchill prontos para serem ditos, só lhes faltavam a oportunidade, que veio com o meu mandato, se bem me lembro, de nem um mês.  

Somávamos 14, os representantes da escola, e arrisco dizer que em sua totalidade o grupo se constituía de nerds e retraídos como eu, que não tinha vocação para nerd e muito menos desenvoltura para popular. Ainda virgem de várias crises existenciais que o futuro me reservou, poucas vezes na vida me senti tão reconhecido naquilo que estava fazendo. Pela primeira vez era respeitado em um grupo, não porque jogava bem futebol ou porque inspirava nos colegas travessuras inteligentes e elaboradas, sim, eu era desses. Pela primeira vez falava em público, coisa que nunca tive muita intimidade, embora hoje exista até quem defenda que tenho me saído bem. Rascunhei propostas, encarei a tribuna para defendê-las. A principal delas: a realização de uma obra que criasse uma calçada na principal rua de acesso à escola. Enumerei as vantagens, apontei os perigos, relatei os acidentes, justifiquei o investimento. Eu fui o meu próprio herói. Nunca me esquecerei.

Hoje, salvando algumas raras exceções, sou herói de mim mesmo escrevendo. Aqui é onde consigo passar meus etceteras a limpo. Onde posso me colocar no lugar dos outros. Os outros de mim mesmo. Me lembrar de quando fui um pequeno vereador me trouxe de volta uma memória importante. Me trouxe de volta para o futuro. O futuro que eu e meus outros ainda estamos tentando escrever. 

 

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