Coluna | Seu Direito
Dr. Luiz Cláudio Borges
Mestre em Direito Constitucional e Democracia, pela FDSM, Especialista em Direito Civil e Processo Civil, CPG-FADIVA. Professor da Unilavras. Advogado
Espera excessiva em fila de banco pode gerar danos morais?
20/08/2013

O presente artigo tem por finalidade apresentar o posicionamento jurisprudencial1  acerca dos danos morais decorrentes da espera em filas de banco e a possibilidade ou não de condenação das Instituições Financeiras. O estudo não esgota a matéria, até porque o espaço não é acadêmico, entretanto, não deixa de abordar questões pontuais sobre a relação jurídica de consumo e as recentes decisões dos Tribunais relacionados à temática.

Em outros escritos, publicados nesta coluna, salientou-se que o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8078/90 (CDC), só se aplica às relações jurídicas de consumo. Nestas relações jurídicas devem estar presentes três elementos: i) consumidor, ii) fornecedor e, iii) objeto (produto ou serviço), artigos, 2º, 3º e seus §§1º e 2º, respectivamente, todos do CDC.

No que importa para o presente estudo, é imprescindível destacar que o CDC conceitua serviços como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e secutirária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (§2º, art. 3º, do CDC).

Por um período considerável o colendo Supremo Tribunal Federal analisou e julgou a ADI2  2591, ajuizada pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif), onde se discutia a inconstitucionalidade da inserção no §2º, do artigo 3º, do CDC,  dos serviços prestados pelas instituições financeiras.

O pedido da Consif foi rejeitado. Posteriormente o c. Superior Tribunal de Justiça uniformizou a jurisprudência editando a Súmula 297, a qual preconiza que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. 

Hoje, não resta dúvida acerca da aplicação do CDC às relações jurídicas existentes entre as instituições financeiras e os consumidores, entretanto, não raras vezes as instituições financeiras continuam a violar o direito dos consumidores, seja por meio de contratatos ou práticas abusivas, dentre elas a demora no atendimento aos clientes.

O artigo 6º, do CDC aponta inúmeros direitos básicos do consumidor, como o direito a proteção da vida, saúde e segurança (inciso I); direito a educação (inciso II); direito à informação (inciso III); direito contra publicidade enganosa (inciso IV); direito à revisão contratual (inciso V); direito à efetiva reparação dos danos (inciso VI); direito de acesso à Justiça e aos órgãos administrativos de proteção e defesa do consumidor (inciso VII); direito à facilitação da defesa de seus direitos (inciso VIII); e, por fim, direito à adequada prestação dos serviços públicos em geral (inciso X).

Sabe-se que a lista de direitos básicos do artigo 6º, do CDC não é exaustiva, tanto que, o artigo 7º do mesmo Código salienta que os direitos previstos no CDC não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções.

Neste estudo, concentrar-se-ão os esforços no direito à proteção contra as práticas abusivas, no direito à efetiva reparação dos danos morais e no direito à adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

É certo que o consumidor tem o direito à proteção contra práticas abusivas, mas como sempre acontece o fornecedor, neste caso a instituição financeira é recordista em violação desse direito, pois impõe aos consumidores a situações desumanas, fazendo-o esperar por várias horas em filas intermináveis, sem disponibilizar assentos em número suficiente, sem fornecer água e disponibilizar sanitários.  Esperar em fila de banco é algo desgastante, estressante e pode gerar angústias e ansiedades.

Iniciou-se uma onda de legislações municipais (leis municipais) tratando da matéria no sentido de regulamentar o tempo de espera em fila de bancos. Inconformados, algumas instituições buscaram o judiciário questionando a competência legislativa do município. O c. STF, no Recurso Extraordinário nº.  610.221/SC, manifestou sobre a matéria, decidindo que o município tem competência para legislar sobre o tempo de espera de clientes na fila de banco.

Na sua maioria as referidas legislações limitam um tempo máximo para atendimento, prevendo indenizações em caso de exceder esse limite.

Mas será que a extrapolação do prazo fixado na lei por si só gera danos morais?

O c. STJ no voto do eminente ministro Sidnei Beneti (REsp 1.218.497 – MT)3  salientou que não, entretanto, ponderou que, se a instituição financeira cria um sofrimento anormal ao consumidor o dano existirá, como por exemplo: a) não ter assento disponível, b) ausência de sanitário, c) ar condicionado etc.

Em recente decisão o Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou uma instituição financeira por demora no atendimento a cliente, veja a ementa da decisão:

48514854 - JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR REJEITADA. DEMORA NO ATENDIMENTO. FILA DE BANCO. DIA DE GRANDE MOVIMENTO NA AGÊNCIA. IRRELEVÂNCIA. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO EM AUTO-ATENDIMENTO. IMPERTINÊNCIA. DANO MORAL CARACTERIZADO. REPARAÇÃO FIXADA EM PATAMAR RAZOÁVEL. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1 - Acórdão lavrado em conformidade com o disposto no art. 46 da Lei nº 9.099/1995, e art. 99 do regimento interno das turmas recursais. 2 - A inexistência de ato ilícito, caso fosse reconhecida, não conduziria à extinção do feito por ausência de interesse de agir, pois não se trata de matéria relacionada às condições da ação, mas, sim, à existência dos requisitos do dever de indenizar. Preliminar rejeitada. 3 - Sendo incontroverso nos autos que o cliente aguardou por mais tempo do que o legalmente estabelecido para atendimento em agência bancária, é devida a indenização por danos morais, por se tratar de violação à dignidade da pessoa praticada com ofensa à Lei. 4 - Não foi comprovado nos autos que os sistemas de auto-atendimento do banco recorrente permitem o pagamento de faturas vencidas. De qualquer modo, é irrelevante que o consumidor tenha à sua disposição outros meios de pagamento, pois a agência bancária é obrigada a prestar o serviço a contento quando procurada pelo cliente. No mesmo sentido, é impertinente alegar que a agência é local confortável e climatizado, pois, além de ter sido demonstrado que não havia cadeiras suficientes no dia do atendimento (fl. 160), tais fatos não são suficientes para afastar a ilicitude da submissão dos clientes a tempo de espera excessivo. 5 - Os critérios adotados pela sentença impugnada, ao quantificar o valor da indenização por danos morais no patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais), estão de acordo com a orientação da doutrina e da jurisprudência, razão pela qual a sentença não merece reforma. 5 - Recurso parcialmente conhecido e improvido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. 6 - O recorrente deverá arcar com o pagamento das custas e dos honorários advocatícios, que fixo no patamar de 15% (quinze por cento) do valor da condenação, conforme art. 55 da Lei nº 9.099/95. (TJDF; Rec 2012.07.1.036097-9; Ac. 702.286; Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal; Rel. Juiz Antônio Fernandes da Luz; DJDFTE 16/08/2013; Pág. 236)4

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso também compartilha do mesmo pensamento, veja:

52149890 - RECURSO INOMINADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ESPERA EM FILA DE INSTITUIÇÃO BANCÁRIA ALÉM DO TEMPO PERMITIDO POR LEI. INCONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MINORADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não é inconstitucional a Lei municipal que fixa tempo máximo de espera nas filas dos bancos, já que apenas regulamenta a adequação e a eficácia da prestação dos serviços, o que é de interesse da localidade. 2. O banco deve dispensar tratamento adequado e atencioso aos seus clientes, notadamente em respeito à Lei municipal, sob pena de, não o fazendo, incorrer em indenização por danos morais. 3. Deve ser mantida a sentença que condena a instituição bancária em indenização por danos morais em razão da espera por 1 hora e 35 minutos. Súmula nº 17 da turma recursal única. 4. Merece ser reduzido o valor da indenização fixada quando não observados os critérios de proporcionalidade e modicidade. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJMT; RCIN 2576/2012; Turma de Câmaras Criminais Reunidas; Rel. Des. Hildebrando da Costa Marques; Julg. 19/02/2013; DJMT 27/02/2013; Pág. 74).

Da análise dos arestos acima, pode-se concluir que, a demora na fila de banco constitui prática abusiva, que impinge ao consumidor sensação de descaso e viola a dignidade da pessoa humana. É evidente que nem sempre o dano moral5  será configurado, isto porque alguns aborrecimentos do cotidiano não geram danos morais. Porém, havendo violação da Lei Municipal (que trata da matéria) e a sujeição do consumidor a um sofrimento anormal, a instituição financeira pode ser condenada.

O consumidor tem direito a um serviço de qualidade, adequado e eficaz. É dever do fornecedor, da instituição financeira, proporcionar ao consumidor este serviço, não o fazendo estará incidindo em práticas abusivas. Com isso, estará violando o direito do consumidor e, consequentemente, se sujeitando a prováveis condenações por danos morais.

 

1-  Decisão reiterada acerca de uma matéria.

2-  Ação Direta de Inconstitucionalidade.

3-  Em muitos casos, sem dúvida, há abuso na judicialização de situações de transtornos comuns do dia a dia, visando à indenização por dano moral (cf., por todos, LUIZ FELIPE SIEGERT SCHUCH, “Dano Moral Imoral”, Florianópolis, ed. Conceito, 2012). Nesse sentido, julgados desta Corte têm assinalado que os aborrecimentos comuns do dia a dia, os contratempos normais e próprios do convívio social não são suficientes a causar danos morais indenizáveis. Nesse sentido, vários julgados: AgRg no Ag 1331848/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, DJe 13/09/2011; e REsp 1234549/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Terceira Turma, DJe 10/02/2012; REsp 1232661/MA, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Quarta Turma, DJe 15/05/2012 e AgRg nos EDcl no REsp 401.636/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Terceira Turma, DJ 16/10/2006.

4- Mas, o direito à indenização por dano moral, como ofensa a direito de personalidade em casos como o presente pode decorrer de situações fáticas em que se evidencie que o mau atendimento do banco criou sofrimento moral ao consumidor usuário dos serviços bancários.

A só espera por atendimento bancário por tempo superior ao previsto na legislação municipal ou estadual como, no caso, Lei Municipal 4069/01, Decreto-lei 4334/06 e Lei Estadual 7872/2002, não dá direito a acionar em Juízo para a obtenção de indenização por dano moral, porque essa espécie de legislação, conquanto declarada constitucional (STJ-RESP 598.183, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Seção, unânime, 8.11.2006, com remessa a vários precedentes, tanto do STJ como do STF), é de natureza administrativa, isto é, dirige-se à responsabilidade do estabelecimento bancário perante a Administração Pública, que, diante da reclamação do usuário dos serviços ou ex-officio , deve aplicar-lhe as sanções administrativas pertinentes – não surgindo, do só fato da normação dessa ordem,  direito do usuário à indenização.

O direito à indenização por dano moral origina-se de situações fáticas em que realmente haja a criação, pelo estabelecimento bancário, de sofrimento além do normal ao consumidor dos serviços bancários, circunstância que é apurável faticamente, à luz das alegações do autor e da contrariedade oferecida pelo acionado. Nesse contexto, é possível afirmar, com segurança, que a espera por atendimento durante tempo desarrazoado constitui um dos elementos a serem considerados para aferição do constrangimento moral, mas não o único. Não será o mero desrespeito ao prazo objetivamente estabelecido pela norma municipal que autorizará uma conclusão afirmativa a respeito da existência de dano moral indenizável. Também há de se levar em conta outros elementos fáticos.

5- No caso dos autos, a sentença e o Acórdão do Tribunal de origem analisaram e afastaram, expressamente a alegação do banco, de que a autora teria realizado procedimento diverso do desejável, não indo ao caixa eletrônico e, sim, permanecendo na fila de atendimento pessoal no caixa, assinalando, o Acórdão: “Não é isso que se constata ao folhear os autos. É preciso ressaltar que o documento juntado a fl. 31, prova justamente o contrário. Nele constata-se que a apelada ficou na fila de espera do banco, no dia 04.07.2008, muito além do tempo estipulado (15 minutos)” e concluindo: “Percutindo o fundo da perlenga, verifica-se que não se trata de mero aborrecimento, pois a apelada ficou muito tempo além do previsto na legislação (fl. 31) e se encontrava com a saúde debilitada (fls. 32/;35), caracterizando total desleixo no atendimento por parte do apelante” (e-STJ fls. 256-157).

Por sua vez, a sentença, incisivamente, destacou: “No caso, além do tempo de espera, a autora argumenta que esta se deu em condições desumanas, em pé, sem sequer haver um sanitário disponível para os clientes. Tal alegação constitui fato

notório, pois é inegável que a cogitada agência não dispõe de sanitários e que não há lugares para todos os clientes aguardarem a longa espera sentados” (sentença, e-STJ, fls. 108).

 Editora Magister

 A reparação do dano moral não visa reparar no sentido literal a dor, pois esta não tem preço. Como ressaltou Giorgi, a dor, a alegria, a vida, a liberdade, a honra ou a beleza são de valores inestimáveis. Isso não impede, porém, que seja aquilatado um valor compensatório, que amenize aquele dano moral.

 

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